domingo, 25 de outubro de 2009

Ostinato rigore

Receber uma menção honrosa por uma comunicação oral num congresso nacional e saber que não vale nada enquanto não souber diagnosticar e operar uma apendicite como deve ser.

E agradecer por ter sempre ao lado pessoas que mo relembrem.

Tentar ser cirurgiã é isto.

sábado, 19 de setembro de 2009

Graças

Hoje tiro o pé da havaiana, ponho sapatinho alto e saio para dançar.

Afinal de contas tenho de comemorar o cancro que (graças a Deus e à não existência de mutações estupidas nas células da minha mama) não tenho.

A vida é só um minuto. Eu hoje aproveito.

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Da laparoscopia...

... ou de como por um pequeno buraco olhamos por dentro de alguém. E vemos tudo ao mesmo tempo que nos esquecemos que o tudo que vimos é apenas aquilo que queremos mesmo ver. A parte torne-se o todo.

Ficar de fora. Minimamente invasivos. Buracos pequenos são, como relações pequenas, rápidos de fazer. E eficazes. Olhar para dentro do outro por um pequeno orifico, mexer em alguém sem entrar nele, e ver tudo? É bom. E fácil.

Apaixonei-me pela laparoscopia. Cirurgica e da vida.

domingo, 26 de julho de 2009

Zen

Sempre foi uma união improvável, esta nossa. Começou há coisa de oito anos. A "retornada" de Africa, revoltada, amante de hip hop e de calor, espiritual mas completamente anti-católica. O "beto" do Liceu Francês, o mais católico de todos os beatos e o mais "cromo" de todos os colegas. Da união improvável foi nascendo a amizade baseada em, revejo-nos agora, nada. Nada nos unia, nada em comum. Não gostamos da mesma música, não temos histórias de vida semelhantes, não pensamos da mesma forma em quase nada, não tinhamos amigos comuns, não tinhamos a mesma fé.

Ao longo dos anos fomo-nos gostando, umas vezes mais perto outras muito distantes. Fomos juntando amigos. Quase sempre a conversa acabava em discussão e a discussão, em conversa. Pegávamo-nos, forte e feio. Tu a tentares mostrar-me que havia mais no mundo para além da minha incrivel capacidade de só ver o meu próprio umbigo, eu a mostrar-te que tinhas de ver mais o teu umbigo. Tentei corromper-te para este meu mundo, Pedro. Tantas vezes. Tantas vezes te quis ensinar a ser mais mau, mais ranhoso e tu, sempre na tua, a tentares manter-te bom. Ontem alguém me disse, com pena, que tu nos deste muito mais a nós, que nós a ti. E é verdade. E não penses que digo isto só porque fica bem. É esta a verdade. E é, em relação a ti, e juntamente com as minhas tentativas de te corromper, a única coisa de que me arrependo. Devia ter sabido que não eras de cá.

Devia ter-te pedido para dares um beijinho meu ao Kiko e ao Marco mas sei que vais fazê-lo. Eu também não tenho pena que tenhas ido, não vou chorar e quero acreditar, mais que nunca, que estás melhor. Escolheste-nos e nós temos de te deixar seguir o teu caminho, sem lágrimas. Continua a mostrar-nos a tua luz e zela por nós, anjo que agora és.
Eu vou sentir a tua falta todos os dias.

domingo, 19 de julho de 2009




Caminhos

Uma pessoa vive uma vida com outras. Crescem juntas, dançam juntas, dormem juntas, riem e choram juntas. Uma vida pequena, mas uma vida. Comem as mesmas comidas, ouvem as mesmas músicas, falam do mesmo. Odeiam o mesmo, lutam contra o mesmo.
E no final, no final, nem se entendem mais.
No final, somos nós mesmos, no caminho que escolhemos seguir. E seguindo as convicções que nos faziam ser igual e parte dos outros, somos já diferentes deles. E transformamo-nos naquilo que o outro abomina. E é reciproco. É estranho ser pessoa.
E estamos juntos, mas já não dançamos juntos, já não nos rimos do mesmo e nem pensar mostrar se choramos. Comemos do mesmo e ouvimos as mesmas músicas mas falamos de coisas diferentes em linguas diferentes. Gostamo-nos como duas pessoas que se conheceram se gostam mas nem nos falamos.
Estranho ser pessoa.

terça-feira, 23 de junho de 2009

Voltei

Voltei. Voltei do não ter de acordar cedo, das 24 sobre 24 horas passadas só e somente com o meu bicho favorito, do andar por andar, do ouvir falar outras linguas. Voltámos morenos, cheios de músculos nas pernas e revigorados. Voltámos felizes. Com o cérebro cheio de cultura, a alma cheia de arte e a barriga cheia de gelados.
Já tirei o verniz vermelho das unhas das mãos. As guidelines não recomendam. É um previlégio de férias que assinala o inicio e o fim do "bem-bom".
Após dois dias de desinfecção cirúrgica das mãos e antebraços já só tenho bronze até ao cotovelo. É o estilo inverso ao "bronze de camionista".
E graças ao calor abrasador dentro da bata sob as luzes do bloco, do contacto com o corpo dos meninos deitados no colchão aquecido e do stress (principalmente do stress) já transpirei tanto que perdi toda a epiderme escura que tanto me custou a conseguir.
Mas operei a minha primeira hérnia.
E trocava, todas as vezes que fossem precisas, todos os bronzes do mundo, todo o verniz vermelho e tantas, tantas outras coisas por esta sensação.

domingo, 7 de junho de 2009

Eu vou...

Vou pra Itália, tralalá... Vou da mochila, tralalá... Dormir em pardieiros, tralalá... E apanhar piolhos... estrangeiros, tralalá!

Ando capaz de abraçar o mundo e nem a celulite, nem a barriga banhenta (essas coisas tipicas de pré-verão) me conseguem desanimar.

Meus queridos, fui. O plano da viagem é mais ou menos o que mostra em baixo, mas passamos em Isola d'Elba para um niquito de praia. Depois logo vos direi se o Canal Grande, a Piazza San Marco, as maravilhosas lojas de Milano e os maluquinhos do Vaticano ainda lá continuam.

quarta-feira, 3 de junho de 2009

Pequenos milagres

Nós, que trabalhamos com crianças, de vez em quando vemos sindromes e doenças complicadas. Vemos e sabemos as alterações orgânicas que os mesmos trazem, adivinhamos as necessidades de cada um, providenciamos ventiladores, alimentação parentérica, abrimos os meninos para tentar corrigir os defeitos, protegemo-los com antibióticos.
Estamos habituados a que vidas pequenas nos mudem a vida. Mesmo as vidas diferentes, as vidas daquelas crianças que até custa olhar. A única coisa que não adivinhamos é o amor que rodeia estas crianças diferentes. Às vezes esquecemo-nos do pequeno grande milagre que é a vida.
Hoje lembrei. Ele ajudou.


I'll be sad later.

terça-feira, 26 de maio de 2009

Da minha fotossintese...

Tenho um namorado que acredita profundamente na fotossintese.
Podia acreditar no fim do mundo, em homenzinhos azuis ou em sereias. Mas não, ele acredita na fotossintese. E é por isso que espeta as flores todas da casa à janela durante todo o santo dia. Fica lindinho, é certo. Dá ar de casa de gente de bem e não de dois desnaturados que jantam tremoços e kit kat (mini, que estamos de dieta!). É bonitinho, sim senhor. E, quem me conhece sabe, não mora cá muito jeito para plantinhas e coisas dessas. Metade morre e a outra metade só não morre porque tem sentido de sobrevivência muito, muito apurado.
Morria. Porque agora, o meu namorado, profundo adepto da fotossintese, fá-las ficar vivas. Como a mim.

terça-feira, 19 de maio de 2009

quarta-feira, 13 de maio de 2009

Choro meu

Não está fácil. Nada mesmo.
Dei nisto agora. É uma choradeira pegada e eu nem sei porquê. Ando a modos que... sensivel.
Ele é lagriminha no olho durante o filme do tigre bebé do Odisseia, é choradeira "da braba" com aquele programa em que arranjam a casa toda de uma toda desgraçada familia. É vontade de levar para casa todos os cães vadios. E de abraçar qualquer criança ranhosa com que me cruze. Ele é lágrima escondida (que menina cirurgiã não chora em público) quando eles me lambuzam com os beijos de "ufa que já me livrei desta!" e soluço engolido quando as noticias não são boas.
Não dá. Tanta sensibilidade prejudica-me. Tolda-me os olhos e não me deixa ver o mundo com clareza. Chorar é coisa de menina and it's a cold world.
A lagriminha no canto do olho não aumenta, decididamente, o respeito dos meus co-workers e do resto do mundo por mim. (e há algum?!?).
Estou a considerar comprar rimel á prova de agua mas ainda assim fica-se-me o trilho da (teimosa) lágrima marcado, a clarinho, sob o pó bronzeador.
Oh criatura dentro de mim mesma, vai lá ser chorona longe, tá?

domingo, 10 de maio de 2009

"Enche-o-saquismo" ao anjo da guarda...

Diz-se que do medo faz-se a prece. É verdade, mas não. A veia da espiritidade corre-me e, sem querer, dou por mim, a pedir. Tenho tido sempre esse cuidado, esse respeito de não pedir por mim. Quebrei quando pedi. Aquela vez. E me foi aceite a prece. Agora, mal de mim e de vós, dou por mim a pedir. Que me dê várias mãos, pensamento rápido e me faça colocar o afastador na melhor posição possivel.

Sei que para ti tem sido uma canseira seres meu anjo da guarda porque, entre tendões rasgados e intestinos embrulhados, te sobra muito pouco tempo para os teus outros protegidos e para coisas pessoais, tipo ir ao SPA dos anjos (que bem mereces!).

Acredito que só não me odeias porque nutres por mim aquele amor imenso que os seres superiores sentem.

E porque sabes que eu não sou perfeita, não nasci aprendida e desta arte sou pouco entendida. Por isso, perdoa o meu medo, o meu "enche-o-saquismo" e a minha prece constante. Atende só quando achares por bem. Ou não atendas.
Entende só que me sinto muito mais segura se te pedir apoio.

segunda-feira, 27 de abril de 2009

Da noção que o ontem não volta...

Eu pensava que ter vinte e seis anos era ser muito velhinha... Até ontem.


Ter vinte e sete é muito, muito pior.

quinta-feira, 23 de abril de 2009

Motivo de Consulta I

Ele vinha referenciado porque tinha uma hérnia no umbigo.

- Então João, o que é que tu achas que preocupou tanto a tua mãe para te trazer a esta consulta aqui no hospital?
- Não sei mas acho que é porque as cuecas estão-se sempre a enfiar no rabo.

Não era este, definitivamente, o motivo da consulta. Mas pronto, é sempre bom saber ao que é que os meus doentes acham que vêm.

terça-feira, 14 de abril de 2009

É trauma!

Chegar a casa cansada, ir despindo a roupa pelo caminho até à casa de banho, pôr a água a correr para um banho de imersão...
De todas as tentativas que tenho feito corre sempre tudo bem até aparecerem as imagens da minha infância "luz-nem-sempre-água-quase-nunca", do tempo em que uma garrafa de agua de litro e meio dava para tomar banho e lavar o cabelo (com amaciador incluido!), de ver andar kilómetros por água... Naquele tempo (e neste, ainda), banho de imersão só mesmo na praia.
Culpa, culpa, culpa!
Desligar loguinho a água, ir a correr apanhar a roupa toda do chão, apagar as luzes todas pelo caminho (que os senhores da EDP não hão-de fazer fortuna à minha custa!), entrar na banheira, tomar um banho rápido igual aos de todos os dias.
O meu banho não é banho de TV, não tem àgua e espuma até ao pescoço e muito menos pétalas de rosa...
Ter crescido em África faz destas coisas. Em relação a banhos sou "conscienciosa" mas muito, muito pouco glamourosa.

terça-feira, 7 de abril de 2009

Vida Nylon 6/0 (seis zeros)

Mudei tudo.
Passo a explicar. Mudei de hospital, de especialidade, de casa, de blog...
Agradeço o antes mas, embora tenha aprendido muito (porque "é na pôrrada qui a gentxi aprendxi, viu?"), acordo todos os dias a agradecer tooooooooodas as benções que têm passado por estas mãozinhas ultimamente. Do tipo "isso tudo é meu?" :) Mas sim, parece que é.
A minha vida passou a ser cosida em nylon seis zeros. Linha fina... Coisa boa...
Entretanto já fiz descobertas importantissimas. Descobri que uma tesoura que corte bem adesivo é mais importante que um estetoscópio e já sinto falta dele pendurado no pescoço. Cheguei à conclusão que é para escondê-lo que os cirurgiões têm bolsos nas batas...
Descobri que o fato de bloco me fica mesmo, mesmo bem e, com a touca, já não se notam as orelhas de abano. Fui feita para fatos de bloco...
Acima de tudo, re-descobri que fui feita para eles, para os pequenos.
E é por isso que horas a fio em pé não custam, acordar cedo já não é um problema, deitar tarde não incomoda nada e que voltar a estudar anatomia é, pasmem-se vocês também, um prazer...
Porque felicidade é isto, fazer o que se sonhou. Isto é uma vida Nylon seis zeros.

Obrigado, tá?

terça-feira, 24 de março de 2009

É desta!

É desta que eu decido ser feliz. Andava indecisa, já desde o 31 de Dezembro, que é quando todos decidem isso. Eu dou luta a mim mesma. Estava indecisa.
Ser triste é bem mais fácil, o pessoal enrola-se num cobertor, reclama do frio, da chuva e da crise, trata mal alguns e muito mal outros e pronto. É o triste e o coitado. A pessoa torna-se impossível de aturar. Sente-se incompreendido (e é efectivamente) e não entende que os outros não compreendam mesmo. Mesmo que queiram. Para além de que maltrata os que tentam compreender.
Eu, não vou ser mais aquela tristeza. Nem adianta, acabou o reclamanço. Não há frio nem sonhos incompletos nem relações de merda (ups, saiu!) mal resolvidas que me importem a esse ponto. Shame on me que, submetida à dor (a sério) dos outros, decidi apanhar uma minha e torná-la séria.
Há tempo para tudo e deprimir é, efectivamente, uma forma de reacção eficaz. Quando auto-limitada (ou anti-depressivólimitada ou chádemaracujá-limitada, incensodecaneló-limitada ou seja o que for que funcione). Porque ninguem merece uma vida de tristeza. Ninguém merece rir pouco, ser pouco tolo, ser pouco feliz.
Quanto a mim, não há mais paciência para o meu eu triste. Nem tolerância. Amiguinha, agora é zero. Mas tinha de ser uma decisão tomada assim, hoje. Não podia ter sido no 31 porque aí todumundo decide o mesmo e depois os anjos devem ficar meios confusos e naquela "ah e tal deve ser só resolução de ano novo, dia 4 já tá a deprimir de novo!" e não nos levam a sério.
Anjos (e diabos), oiçam-me que desta feita estou a ser sincera: Não vou ser mais aquela tristeza. Sou só amor e esperança, força e coragem. Sou só positiva. E gira, muito gira! :P